sábado, 26 de outubro de 2013

EDITORES AUTORES

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domingo, 15 de julho de 2012


 LITERATURA
 LITERATURA COMO SISTEMA MODELIZANTE

Literatura é sistema de signos fundado na palavra. Ou seja, como as palavras são unidades mínimas de representação, o tecido literário, como é formado por várias unidades mínimas de representação, de modo genêrico, dialoga com todos os outros sistemas semióticos, com todas as outras esferas do conhecimento humano, como a arte, a política, as ciências etc. entendidas como sistemas culturais com semioticidades próprias. Contudo, ainda que se debruce sobre a linguagem natural, a literatura ''fala'' uma linguagem que não coincide com a linguagem natural. Possui um sistema para transmitir informações particulares não transmissíveis por outros meios. Segundo Lotman (1978)[1], em A estrutura do texto artístico, o que define uma linguagem, é a circunstância de ela ser constituída por signos, pois, qualquer que seja a linguagem para exercer seu papel comunicativo, é necessário que seja constituída por um sistema de signos. Sendo assim, a literatura é sistema modalizante não por usar a língua natural, mas porque em seu sistema entram códigos de outros sistemas semióticos como narrativas, pintura, personagens, poesia, drama, filosofia. Por exemplo, ao analisar as estéticas literárias, iremos perceber que há diferença entre estilo e época, mas essa compreensão, essa análise se dão devido à língua. Isto é, para chegarmos a esta conclusão, foi necessário entender a linguagem, verificar o aumento de suas possibilidades, com a ampliação dos recursos das ciências, das características, das formas de externar o sentimento humano, das artes e, porque não dizer também, das máquinas, havendo, portanto, um aumento quantitativo de linguagem que se deu de uma época para a outro. Além disso, foi necessário, também, entender a vida, decodificar e codificar informações. Para Lotman, isso seria um processo de comunicação que reúne dois conceitos fundamentais: Arte e Linguagem, já que qualquer obra de arte é uma comunicação em linguagem artística. Ela (linguagem) se organiza de forma muito singular. Se voltarmos nossas atenções ao esquema de (Jakobson, 1995, 123)[2] com relação à linguagem, verificamos que:
|                                                              |                                          <....................CONTEXTO.................. >               
             
                            EMISSOR       MENSAGEM        RECEPTOR
                                 |                                                               |
                                 <.......................CÓDIGO ....................>




São elementos da comunicação. E como estamos afirmando que a arte é comunicação, uma forma singular ou, melhor dizendo, uma linguagem artística, certamente, envolverá dois ou mais interlocutores, então teríamos com base no gráfico da comunicação:


||                                 ........................CONTEXTO  .................            

                            EMISSOR            ARTE               RECEPTOR

                              | .........................CÓDIGO........................|

Assim sendo, a obra de arte se configura como uma comunicação em linguagem artística.



[1] LÓTMAN,  Iúri.  A Estrutura do Texto Artístico. Lisboa: Estampa, 1978.

[2] JAKOBSON. Roman. Lingüística e Comunicação. São Paulo: Cultrix,1995

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Os contrastes, as oposições como forma de produzir sentido cultural na poesia de João Cabral: Paisagens com Figuras

UMA ANÁLISE DOS CONTRASTES, DAS OPOSIÇÕES COMO FORMA DE PRODUZIR  CULTURA E SENTIDO NA POESIA DE JOÃO CABRAL
Resumo:      O presente trabalho objetiva tecer reflexões acerca dos contrastes, das oposições como forma de interação cultural. É, pois, uma tentativa de buscar, na poesia cabralina, elementos que dão formação ao quadro interativo das duas culturas: brasileira e espanhola.            Para isso, recorremos à obra  Paisagens com Figuras  por evidenciar  de forma expressiva o objeto de nosso debate e ser conhecida por apresentar “cenas espanholas e nordestinas” (BARBOSA, 1975, 157) ou, até mesmo, o “momento espanhol ” (MELO NETO, 1994, 18). Assim sendo, iremos pinçar termos, citações que sejam apropriados para exercitarmos ou, de uma certa forma, comprovarmos o nosso propósito. Nesse sentido, por termos certa abreviação de espaço, limitamo-nos em a dois poemas: “Pregão Turístico do Recife”  e  “Diálogo”.
1. Os contrastes, as oposições como forma de produzir sentido cultural na poesia de João Cabral: Paisagens com Figuras

            É sabido, por meio de comentadores de João Cabral, particularmente Joan Brossa, que a poesia  cabralina é “cerebral tem versos curtos e agudos” (MELO NETO, 1996, 17), ou  possui um “embasamento formal” (ÁVILA, 1978, 94), ou ainda, de uma outra forma, a poesia cabralina possui  “conteúdo racional integro” (HOUAISS, 1967, 113), ou como disse o próprio João Cabral:

“(...) o escritor brasileiro ainda acredita muito na inspiração. (...) Eu não acredito nisso. (...) Para mim a poesia é uma construção, como uma casa (...) uma coisa planejada”  (MELO NETO, 1996, 21).

E, numa outra linha de pensamento, garimpando ainda mais, a fim de equacionarmos o debate, temos em Greimas:

“O sentido portanto não significa apenas o que as palavras querem nos dizer, ele é também uma direção, ou seja, na linguagem dos filósofos, uma intencionalidade e uma finalidade. Traduzindo para a linguagem Lingüística, o sentido se identifica com o processo de atualização orientado que, como todo processo semiótico, é pressuposto por  --e pressupõe-- um sistema ou um programa, virtual ou realizado” (GREIMAS, 1975,16).

Portanto, na intenção de polemizar essas ações, verificamos  que,  para entendermos um signo ou pensamento, segundo Peirce, temos que traduzi-lo em outro signo-pensamento. Um pensamento é sempre continuação de um outro para criar outro pensamento e assim ad infinitum.

Ampliando ainda mais essa observação, verificamos que  a poesia cabralina apresenta a objetividade, ou como ele próprio diz, é cerebral, racional, decorrendo daí uma poesia pensada, plástica, planejada, isto é, um pensamento produzindo outro pensamento. E nessa forma de pensar, de produzir pensamentos, há uma filtragem das palavras, e na filtragem, na seleção, são desprezíveis o verbalismo e o emotivo, valorizando as palavras concretas que serão as referenciadoras  da dimensão poética, ou seja, um conjunto de signos que provocam uma tensão das palavras, constituindo, assim, um organismo complexo em que cada elemento tem uma função autônoma, mas ao mesmo tempo, por meio dos contrastes, das oposições, mantem-se  uma relação.

As linhas da poesia cabralina vão se constituindo em oposições, em contrastes a unidade de sentido, decorrente daí o dizer de que o sentido não significa apenas o que as palavras querem dizer, mas a sua forma intencional, relacional,  identificando-se com o processo de atualização, e isto se faz a partir dos contrastes, das oposições.

Portanto, em Paisagens com Figuras iremos notar esta forma substantivada, o referente sendo o  agente (termo) revelador, pois é nele que a análise objetiva do texto permitirá que nós percebamos a rede de relações, afinidades e/ ou antagonismo entre a obra (poesia) e o seu meio sóciocultural, portanto, um exercício de oposições  e de contrastes

Paisagens com  Figuras é constituído de 18 poemas, cujo poema que dá abertura  à obra é: “Pregão Turístico do Recife”.

Aqui o mar é uma montanha
regular redonda e azul,
mais alta que os arrecifes
e os mangues rasos ao sul.

Do mar podeis extrair,
do mar deste litoral,
um fio de luz precisa,
matemática ou metal.”.


Para exercitarmos  as oposições, os estudos dos contrastes e as alternâncias, e daí emergir uma imagem integradora, recorremos  a:

“Pode o Brasil inspirar a imaginação dos poetas, e ter uma poesia própria? (...) Tão geralmente conhecida é hoje esta verdade, que a disposição e caráter de um país grande influência exerce sobre o físico e o moral  dos seus habitantes, que a damos como um princípio, e cremos inútil insistir em demonstrá-la com argumentos e fatos por tantos  naturalistas e filósofos apresentados. Aí então Buffon e Montesquieu que assaz o demonstram” (MAGALHÃES, apud. Ventura, 1991,34).

Podemos, então, verificar nesta citação de Magalhães uma proposta, cuja intencionalidade é retratar a natureza, o nosso rico cenário e, amalgado neste mesmo movimento, correlacionarmos Lezama dizendo, a partir das pesquisas de Humbold em Cuba:

“É desse azul, conclui a observação de Humbold, depreendem-se os objetos longínquos com relevo extraordinário. A imagem poética entre nós, e essa é sua característica mais reiterada, habita não só essa suspensão e essa refração, mas adquire como uma seta  azul do ar. A atmosfera reluzente (espejeante) nos permite ver o longínquo com uma voluptuosidade tátil ” (LEZAMA, apud Pinheiro, 1994,18).

Observando, essas duas citações, podemos  perceber que ao percorrer uma linguagem, ao percorrer  uma poesia, a relação espaço e tempo vai nelas se constituindo, vai se desenhando,  apresentando, o grande mosaíco cultural,  vai se  emergindo por meio das inferências, das organizações, das desorganizações, dos cruzamentos: visuais, tactuais, sonoros etc. É o que se configura  nas duas primeiras estrofes de “Pregão Turístico do Recife”.

Num primeiro  plano, os substantivos concretos, mar, montanha, mangue, litoral, são referenciadores responsáveis por organizar o quadro, a imagem  na tela. É como se estivéssemos observando uma tela de Cézanne, cuja técnica era redistribuir formas aos objetos que queria descrever, ou, até mesmo, nos passa a impressão  de estarmos diante de uma tela de Picasso, onde as formas, as figuras  causam impacto. Daí, Antônio Cândido dizer que na poesia cabralina havia uma conexão, “um sentido cubista”. (MELO NETO, 1996, 24). Os olhos, para observar esta imagem, imagem cabralina, faz com que ficam totalmente móveis, ou seja, não há um ponto para fixar o olhar, mas, sim, o olhar deve percorrer toda a tela (poesia), mergulhar na sua geometria, pois é através deste olhar, desta mobilidade dos contrastes, posições, alternância que  emerge a imagem integradora cultural, se confirmando, ainda mais na estrofe-1, verso-3:

“um fio de luz precisa”,  

um fio reto de luz, dando a impressão de que toda esta imagem seja uma miragem, e, em seguida, convida a cidade para participar desta imagem, logo a cidade passa a ser mais um referencial, de forma que todo o conjunto vai se produzindo pelos contrastes, pelas oposições, num sentido cultural, pois, basta observar que este fio intenso de luz, luz metálica é reafirmado em:  “O sol em Pernambuco”, constatando, assim, que a luz procede deste cenário brasileiro, faz parte da formação histórica cultural. Assim, esta imagem, as tensões e conexões causadas pelos seus referentes passam a ser componentes participativos, componentes patrimoniais na formação de uma cultura, no caso, em questão, a cultura brasileira. Vejamos como isso é tão  evidente, basta  acompanhar, ainda, nesta poesia, a luz, esta luz  vai  se  caracterizando  no  espaço-cultural,  ela  perde  o efeito da iluminação,  do  cenário, e numa inversão da imagem, a luz passa a ser humanizada, isto é, o fio da morte, e devido sua precisão matemática se transforma em medida. Com isso, verificamos que toda aquela luminosidade, repentinamente, se “escurece”,  evidenciando ai o impacto da linguagem, a antítese --vida/morte--.


Os termos vida e morte passam a denotar valores, assim como fio de luz se humaniza em fio da morte; a precisão da luz se transforma em medida --medida que denota valor humano.1 Verificamos, na estrofe 5, as expressões: “rio indigente” e “sangue-lama”. Há, aqui, uma total inversão de valores, pois o rio passa a ser humanizado pela expressão  indigente; o sangue --que representa a vida-- passa a ser  desumanizado pela expressão lama.

Com essa oscilação, com essa forma de compor o quadro, a imagem, a paisagem, através dos contrastes, das alternâncias, vão se esboçando, dando formação ao “perfeito”  retrato do quadro cultural do Nordeste, uma característica da cultura brasileira. Todos os elementos que afloram, a rede de significados, essa tessitura de elementos referenciais em oposições, vão dando  dinamicidade ao texto e compondo o quadro  da realidade do homem do Nordeste, realidade esta, cuja expressividade maior, está mediatizada pela linguagem, que flui no todo, no conjunto, nos referentes culturais. Não vamos relacionar o conjunto de dificuldades da luta, da sobrevivência do homem (agente sacrificado) com a região, pois isso não é  objeto de análise deste trabalho, mas é importante saber a razão pela qual a  poesia de Cabral ser denominada de poesia social.  Portanto, é possível  chegar a esta conclusão, pelo estudo dos contrastes, das oposições, das alternâncias, como produtora de sentido cultural e ainda podemos verificar que  a relação entre o significado e o significante  traz um esboço das linhas dessa imagem, porque o que realmente define a imagem é o poder de deslocamento que as palavras criam no quadro cabralino, revitalizando, assim, o nosso dizer: é como ver uma tela, um quadro cubista, os olhos devem dispor de uma total mobilidade. 

Dando prosseguimento, vamos, agora, buscar na poesia “Diálogo”  elementos da cultura espanhola, porque o nosso objetivo é poder verificar a confrontalidade das duas culturas.
 A escolha da poesia “Diálogo” deve-se ao contexto expressivamente apropriado para se verificar os contrastes, as oposições. 

Num primeiro momento, amplificando nosso debate, sem entrar na análise propriamente dita, mas manifestando um comentário mais geral, pode-se verificar que existe em toda a obra cabralina uma preocupação com a horizontalidade, com a reta, com a seta, a faca, o fio, a lâmina e, às vezes, representada por elementos da linguagem que dão autêntica  denotação, como: “o rio”, “diversas coisas se alinham“a cidade” etc. É uma infinidade de expressões, não é possível correlacioná-las, pois isso  implicaria numa outra análise, mas queremos  apenas deixar este registro ou, de maneira mais precisa: a poesia cabralina tem uma exatidão como a matemática, a matemática interpreta o universo através dos símbolos: “João Cabral interpreta o universo que o cerca através dos signos concretos da linguagem” (LINS, 1967, 69).

Vejamos a poesia  “Diálogo”. Trata-se de um exercício dos contrastes, oposições, cuja primeira fala, fala (A), provoca uma tensão em (B):

“(A) --O canto da Andaluzia
          É agudo com seta...”

“(B) --Mas quem atira essa seta
          de tão penetrante fio


Esta tensão, este fluxo de contraste, de oposição, de inquietação parecem dar mais intensidade às palavras, fazendo com que a poesia “Diálogo” seja primorosa, mais bem acabada --vale dizer, também, que estas tensões, estas intensidades fazem saltar de forma brusca o objeto iconográfico, ou seja, a imagem em si.

Para dizermos isso, percorremos duas poesias: “A palo seco”  e “Uma faca só lâmina” ,  verificamos que estas poesias possuem as mesmas tensões, se organizam  no tecido textual da mesma forma “A”, dialogando  com “B”, mas não de forma tão caracterizadora como em “Diálogo”, daí dizermos primorosa.

Pode-se perceber, em “Diálogo”,  que a fala “B” se caracteriza de forma tensional, pois a todo instante incorpora o operador argumentativo “mas”. Com isso, a fala “B” rompe o processo de continuidade discursiva. Fato que se confirma na fala “A”. “A” introduz o canto da Andaluzia, intensifica, presentifica este canto por meio dos elementos: “agudo com seta”, “agudo e reta”, produzindo a imagem da lâmina, da horizontalidade que ao mesmo tempo é cortada pela fala “B”. A fala “B” se apresenta, diminuindo toda a intensidade, o brilho da lâmina, contrapondo-se à fala “A” (poder argumentativo), daí decorre, ou pelo menos deixa transparecer, o domínio, o conhecimento que “A”  possui do objeto do discurso.
Um confronto mais acirrado acontece em:

“A --Tem alfinetes nas veias
       que nas veias se atropelam “
       
“B --Mas o timbre desse canto
       que acende na própria alma”

Podemos constatar que a fala “B” se apresenta de forma mais sensível à argumentação, mais densa, logo ser mais  tensa em relação à fala “A”. Pois, nesta fala em “B” fica registrada toda a imagem da poesia, isto é, este é o instante onde se converge toda a resultante da cadeia de signos, a luta entre o touro e o toureiro, o núcleo2 da poesia.  Tudo isso se incorpora em “B”, essa luta de forças, numa absoluta precisão.

Elaborando uma leitura mais sensível, iremos perceber que na primeira fala de “A” se contrapondo com “B” o diálogo se apresenta de forma sutil, subjetivo, mas lentamente, de forma contrastável, ressaltando nele o produto da cultura espanhola, caracterizando, assim, o objeto do nosso debate: os contrastes, oposições como produtora de sentido. Portanto, como dissemos anteriormente, esses referentes, são componentes participativos, componentes patrimoniais da cultura espanhola.

Essa forma pela qual buscamos a verificação de nosso objeto de análise  nos dá um certo conforto quando verificamos em Tinianov o seguinte dizer:

“Todo contexto discursivo tem portanto uma força assimilativa que impõe a palavra determinadas funções e nas outras, conotando-a segundo o tom da atividade” (TINIANOV, 1975,17).

Acreditamos, portanto, estar no caminho certo. E, nesta atividade, entre os contrastes das forças,  touro  e toureiro, sutilmente, mais uma vez, está presente o fio da vida, isto é, a fragilidade da vida presentificada na afiada agudez da lâmina, pois o exercício dessa afiada agudez tem como pretensão encontrar o avesso:

“ache no avesso do nada,
o uso que as facas completa”

A lâmina tem como meta ir de encontro ao seu objeto, dessa forma, notabilizando a direção, a precisão matemática, a horizontalidade. O momento de maior tensão, isto é, o espaço de sustentação das forças que se articulam entre touro e toureiro, faz com que a  linguagem, também, se estruture da mesma forma.

“tem mantas de carne viva
cobrindo sua alma inteira”.

Com isso, esta poesia cabralina  mostra uma linguagem  que possui  a mesma  tintura cultural, portanto a linguagem está alienada à  cultura que Cabral procura revelar. Assim sendo, a relação entre significante e significado não é de forma alguma estática, mas dinâmica e, sobretudo, entre contrastes e oposições. Dessa forma,  “Pregão Turístico do Recife” como “Diálogo” são poesias que estão longe de ser ou de revelar denúncias, mas possuem o poder de deixar o registro da consciência, do conflito da linguagem, ou seja, da fragilidade, do equilíbrio, da agudeza, que são os elementos que se  revelam durante a tourada de sua obra.

A poesia cabralina é capaz de revelar, através do concreto, desse  mosaico cultural, múltiplas formas de paisagens, de figuras, de imagens.  A própria3 linguagem é capaz de sintomatizar a problematização do objeto, pois:

“Este jogo de oscilações entre formas e a história é um jogo de oscilações entre estruturas e eventos, entre configurações fisicamente estáveis (e descritíveis objetivamente enquanto formas significantes) e o jogo mutável dos acontecimentos que lhes conferem novos significados ” (ECO, 1974, 210).

Daí, sermos pertinentes e insistentes em dizer que na obra cabralina os contrastes e as oposições são instrumentos de produzir o  sentido cultural.



2. Confrontalidade dos referentes cultural.

O objetivo, aqui, quando  expressamos a palavra confrontalidade, não é o de sistematizar um estudo de forças culturais ou miscigenações. O que se pretende é elaborar um confronto a partir dos referentes de “Pregão Turístico do Recife” e “Diálogo” , os quais, na abertura deste trabalho, denominamos de referentes culturais. São referentes que estruturam a linguagem poética e, por isso, são  capazes de estabelecer o quadro paisagístico.

Para isso verificamos em “Pregão Turístico do Recife” e, em especial, na primeira estrofe, uma disposição dos elementos, dos referentes, registrando a impressão de que   o poeta apresenta as imagens, para o leitor, como se estivesse diante de um cartão postal, vendo os referentes que o cercam, denotando uma visão horizontal. Mas, à medida que nós nos aprofundamos na leitura, iremos observar o movimento oscilatório da referencialidade entre o texto e o contexto (no caso, contexto da paisagem brasileira).

E, desta forma, o poeta vai “arrancando” do cenário nordestino os referentes que compõem esta imagem, referentes que se estruturam na poesia a partir de uma análise dos contrastes, das oposições, o que esta discussão procurou abordar na primeira parte. Não podemos deixar de fora o próprio poeta, ele é o produto por excelência desta imagem, pois estes referenciadores fazem parte da sua própria formação4.

A poesia cabralina é o próprio Cabral, isto é, “cultura e produção de linguagem (os corpúsculos sonoros do poema são uma espécie de eixo entre o pensamento e a paisagem cultural no seu espaço/tempo)” (PINHEIRO, 1995,59).

Assim sendo,  percebe-se a presença da horizontalidade, e em seguida vêm as expressões: “fio”, “fio de luz”, “vidas inteiras a fio”, isso nos sugere que a formação ocular do poeta, a abertura da pupila, o exercitar do nervo óptico e a retina são complacentes com esta visão, esta reta, esta horizontalidade. Pois, pelo fato de o ambiente expressar a ausência de obstáculos, a fim de exercitar o olhar no sentido de baixo para cima, sentido vertical, não se desenvolveu uma visão mais comprometida, mais abarcadora, portanto não há uma visão mais globalizadora, mais abrangente, logo a relação espaço (ambiente)  é  o produto desta formação, desta forma de ver o mundo, de estar no mundo.

Isso, também, pode ser observado,  na poesia “Diálogo”. Num primeiro momento, temos uma espécie de anticlímax, uma série de elementos referenciadores da cultura espanhola, para dar densidade à poesia, para alicerçar os elementos representados em oposições, em contrastes : “O canto da Andaluzia”, “agudo e reta”, “penetrante fio”, “fio agudo de facas”, “fio frágil da vida”, que denotam os elementos da horizontalidade, da ausência do obstâculo, o olhar, não possuem o exercício da verticalidade. Assim, podemos perceber que o poeta leva para a cultura espanhola a mesma horizontalidade, o mesmo fio da vida, fio que está  presente  em  sua  retina,  está  presente  em  sua formação, ocorrendo apenas uma acomodação cultural, uma adaptação ou um mimetismo.

A expressão “fio da vida/fio frágil da vida”  presentifica a luta do homem no quadro da cultura brasileira, cujo  grande prêmio é conferir confere ao homem sobreviver  na região nordestina, vencer no próprio espaço. O que não difere  da cultura espanhola, pois presentifica a luta do homem da mesma forma, também cujo  grande prêmio é possibilitar ao homem sobreviver na arena, vencer no próprio espaço.

Desta forma, acreditamos que colocando em confronto os referenciadores de uma linguagem, esse conjunto de informações e de inferências é responsável pela formação do pensamento, porque a linguagem é tomada como medida da cultura, essa mesma linguagem irá nos fornecer os verdadeiros referentes culturais, que às vezes se apresentam no texto num grande rigor de esteticidade.

Mas, os articuladores destes referentes, homens, poetas, escritores etc. estão incorporados ao texto, pois a relação e recíproca e a memória deste texto não deixa de ser constituída pelos  próprios referentes culturais.


 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio  das reflexões tecidas, ao percorrer a obra cabralina, constatamos que sua poesia possui a técnica da repetição, dando a impressão de que toda a sua construção poética é um processo de montagem metalinguística. Recorremos, então, a  Antônio Cândido por representar exatamente o pensamento que queremos dizer:  As palavras  têm um poder sugestivo maior ou menor conforme as relações que as ligam umas as outras, se dispõem nos seus poemas quase como valores plásticos, nesse sistema fechado que assume às vezes o caráter de composição pictórica, e a beleza nasce da sua interrelação...”(Cândido,1976). Portanto, verificamos que os referentes são responsáveis pela  conexão do tecido textual, referentes que se confrontam contrastavelmente, produzindo  os aspectos culturais, envolvendo a cultura  nordestina e a cultura espanhola que estão  representadas no conjunto de poemas deste trabalho de Cabral.

E, em se verificando o aspecto cultural, concentrando  toda a energia do debate no viés cultural, constata-se que a poesia cabralina, de um modo geral, possui como núcleo o homem do Nordeste, pois admitamos, aqui, que Cabral tem todo esse poder de criar as tensões, os contrastes, as oposições, as alternâncias devido à habilidade de lidar com os referentes, uma vez que entendemos ser os referentes de sua própria  cultura,  da  sua  própria  realidade,  do  próprio   mundo  que  o  cerca, isto é, entendemos que o processo  do conhecimento se dá pela adequação da mente ao objeto. Uma relação de significado em que o homem opera como ser significante e o objeto como ser significado, sendo uma relação espacial/temporal que exige a interação do homem com a realidade.     

Pois bem, dito isso, e com base na análise que elaboramos deste conjunto de poesias,  percorrendo a universo cabralino, concluímos afirmando que João Cabral, ao escrever  Paisagens com Figuras,  livro que representa o momento brasileiro e o momento espanhol,  permite e,  deixa-se ser levado pela   “mesma” realidade, tanto no momento espanhol, no caso  Paisagens com Figuras,  como em  qualquer poesia em que a referencialidade seja  provida, seja articulada com a cultura espanhola.

Ou seja, a cada poema em que há referencialidade da cultura espanhola (sevilhana, andaluzia etc), Cabral adaptou os referentes à sua realidade, à realidade de sua formação, à realidade de homem do Nordeste, pois em sua retina estão cristalizadas a realidade, as imagens, as paisagens, a luta do homem nordestino e, principalmente, a visão  da horizontalidade. O poeta está comprometido com o Nordeste, pois ele é produto dessa cultura, daí ser chamado de poeta da mímese, daí  elaborar uma poesia “seca”, “concreta”, “estilhaçada”, “facas”, “lâminas”, ausência de verbalismo etc.  Se fóssemos pintar uma tela e buscássemos inspiração em Paisagens com Figuras, de imediato saltariam as seguintes imagens: a paisagem (cenário bras. e esp.); o habitante; a pintura (cores quentes/frias); o toureiro e o flamenco. Nesta tela, as imagens irião surgindo com a superposição de cores, formas e sombras ou como diz (BARBOSA, 1975,130): “(...) um quadro pós-impressionista, em que paisagens e figuras fossem dados ao olhar por superposição de pigmentos, linhas de cor e de sombra (...) “.

Com essa idéia, de quadro, de pintura, de pigmentação, cores etc., é que este trabalho foi criando corpo, em busca dos contrastes, das pigmentações, surgindo daí os referentes, os referentes culturais e, conseqüentemente, o estudo dos contrastes como forma de uniformizar, de entender, de buscar um sentido, de buscar  uma única cor  a partir deste mosaico com as mais diversas pigmentações. Procuramos, portanto, concretizar na expressão escrita  a compreensão desses conceitos. Assim, pela expressão do nosso pensar, procuramos participar dessa discussão, construindo uma pigmentação própria.


Notas:


1. Na poesia “Cemitério”, esta tensão, esta mescla, também, está presente, o poeta elabora uma crítica radical, basta verificar  que, neste livro, Paisagens com Figuras, há três cemitérios pernambucanos, denotando a insistência, a continuidade ao assunto, a oscilação entre os elementos referenciadores, responsáveis pela produção da imagem, da paisagem.

2. Daí, decorre Marly de Oliveira (org.) dizer: “Mas o que chama a atenção é que, às vezes, o poema é gerado por um objeto, (...) objetos que dão origem ao poema. (...) De certo modo, isso é o que singulariza a poesia de João Cabral de Melo Neto na poesia brasileira e faz dele um inventor, na acepção poudiana, pois refoge o explicitamente confessional e faz o núcleo do poema” (MELO NETO, 1994,20).

3.Já Sebastião Uchoa Leite  prefere usar o termo “inventa-imagem” ou “univocidade semântica, de parecer dizer sempre o mesmo, com mil dedos de linguagem chegando até ao recurso  dos elementos permutativos para dar novas informações, a obra...” (LEITE, 1986,108).


4. Analisando de uma forma mais complexa, diríamos que faz parte da sua própria formação genética, ou como afirma, questionando em: “(...) os modos de conhecimento se organizam, desorganizam a partir dos usos da voz/visualidade/escritura etc, no interior das mais complexas conexões entre o particular e o geral em cada cultura?” (PINHEIRO, 1995,14).

REFERÊNCIAS

-ÁVILA, Afonso. (1978) O poeta e a consciência crítica. São Paulo: Summus editorial.

-________________ .(1975) O Modernismo. São Paulo:  Perspectiva.

-BARBOSA, João Alexandre. (1975) A  Imitação  da  Forma. São  Paulo: Livraria        
          duas cidades.

-BORBA,  José   César.   (1942)       A poesia do Sono.     Pernambuco:     Diário   do 
           Pernambuco.

-CAMPOS, Haroldo de.(1967) “O Geômetro Engajado” In  Metalinguagem: ensaio  de
          teoria e crítica literária. Petrópolis: Vozes.

-CÂNDIDO, Antônio. (1967)  Literatura  e Sociedade. São Paulo:  Companhia Editora
          Nacional.

-_______________ .(1976) Poesia ao Norte. Rio de Janeiro: Revista José.

-ECO, Umberto. (1974) A Estrutura Ausente. São Paulo: Perspectiva.

-GREIMAS, A.J. (1975) Sobre o Sentido: Ensaios Semióticos. Petrópolis: Vozes.

-HOUAISS, Antônio. (1967)  Drummond  mais  seis  poetas  e  um  problema. Rio  de
          Janeiro: Imago.

-LEITE, Sebastião  Uchoa. (1966) Participação da Palavra Poética. Petrópolis: Vozes 
         
-____________________.(1986) “Máquina sem mistério:a poesia de João Cabral de
          Melo Neto”. In Crítica Clandestina. Rio de Janeiro: Taurus.

-LIMA, Lezama. (1988) A Expressão Americana. São Paulo: Brasiliense.

-LINS, Álvaro. (1967) Poesia Moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Edições de Ouro.

-LOBO, Danilo. (1981)  O poema e o quadro: o picturalismo na obra de  João  Cabral
          de Melo Neto. Brasilia: Thesaurus.

-MELO NETO, João Cabral de. (1975) Antologia Poética.Rio de Janeiro:Livraria José
          Olympio editora.

-________________________ (1976) Museu de Tudo. Rio de Janeiro: Livraria José
          Olympio editora.

-_____________________(1982) Literatura Comentada. São Paulo: Abril Educação.

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O pensar é dialógico e dialético



Neste primeiro momento vamos discutir as bases estruturais e tecer reflexões acerca do dialogismo e da dialética peirceana. É, pois, uma tentativa de buscar, na semiótica peirceana, contextos que sejam apropriados para exercitarmos ou, de uma certa forma, comprovarmos o raciocínio dialógico e dialético. 
     Não pretendemos, aqui, buscar a etimologia de cada palavra e acentuar o seu caráter histórico, por serem palavras que agregam uma certa potencialidade de interpretação; se assim o fizéssemos, estaríamos forçando este debate a percorrer uma trajetória distante de seu objeto de pesquisa. Sendo assim, tivemos o cuidado para não seguir em outra direção, a não ser a da semiótica cunhada por Peirce. 
     Dito isso, sem querer parafrasear Charles Peirce, mas já parafraseando, quando ele diz que a característica básica do signo é de poder representar as coisas ou objetos, então nos apoiamos nesse conceito para apresentar, ainda que superficialmente, uma observação que representa o objeto de nossa análise, observação esta que aglutina grande parte de nossas reflexões. Para isso, aproprio-me de uma citação de Santaella,L. (1993:19):    
“Um homem dialogando com 25 séculos de filosofia ocidental”. 




Obs. Trecho do Ensaio disponível em: http://www.escrita.com.br/leitura.asp?Texto_ID=237